(In)certezas do mercado automotivo
12/07/2022
(In)certezas do mercado automotivo
“O motor a combustão morreu? Sim, mas passa bem.” A avalanche de informações e produtos da indústria automotiva referentes a carros elétricos (híbridos também) é exclusivamente uma ação de marketing de vendas ou uma evolução natural da tecnologia mais bem sucedida do século 20?
O desenvolvimento do motor a combustão e, claro, do automóvel, revolucionaram o setor de transformação de insumos e produção em massa e um novo patamar de métodos e cadeias produtivas abarcaram empregos e prosperidade econômica; a cultura do automóvel estabeleceu-se de forma imponente e seus ditames continuam em alta. Contudo, quanto a nossa impactante pequenez de meros consumidores, estamos preparados para essa revolução-choque? Se não for um modismo passageiro (como os SUV’s), choraremos as lágrimas da glória passada sobre nossos potentes turbo-comprimidos? Não abra ainda sua carteira de crédito de carbono antes de verificar aquele tipo de informação que nos ajuda a manter a precaução e a desconfiança (como deve ser).
Motor a combustão. Apesar da diminuição da participação do motor a combustão nas vendas anuais das montadoras globalmente (95,9% em 2020 para 91,4% em 2021, fonte), e algumas delas já terem anunciado a substituição total dos motores a combustão por motores elétricos em um prazo de 10 anos, o motor a combustão não vai desaparecer das prateleiras tão facilmente; afinal, são mais de 100 anos escalando o seu uso em praticamente todos os setores da sociedade.
Por isso não se desespere, jovem Padawan: a 5ª geração após a nossa ainda conhecerá essas máquinas de sonhos, do mesmo jeito que a temos hoje (caso queira deixar seu Opala ou Fusca de herança). E uma razão bastante simples explica esse fato: motores a combustão funcionam com uma gama variada de combustíveis (inclusive hidrogênio, certo, Toyota?) que existirão enquanto o homem andar sobre a Terra.
Híbridos. O sono dourado das montadoras pode ser um caro pesadelo aos consumidores! O que seria o melhor de dois mundos, acaba sendo o pior deles. A propaganda de maravilhosos quaisquer números acima de 45 km/l na cidade em modo híbrido (motor a combustão e motor elétrico trabalhando juntos) é totalmente espantosa e real (para condições de condução perfeitas), sendo a âncora de vendas desses modelos.
Explico as consequências desse resultado (tecnicidades 5+): o veículo híbrido tem um tanque de combustível menor (menor autonomia) e um motor a combustão menor (menor potência) para minimizar o aumento do peso devido ao motor elétrico e a bateria maior, por isso tornou-se um carro restrito ao uso urbano! Mesmo somando a potência dos dois motores ainda não se equipara ao modelo convencional nem tem autonomia suficiente para uma viagem mais longa.
Mas vão dizer que é mais ecológico (sério?), que é mais eficiente (depende de tantas variáveis que é quase subjetivo) e que o retorno do custo (e que custo!) da compra vem na economia do uso misto de combustível e eletricidade (kWh/R$ mais barato).
Então vamos jogar uma luz (e uma lupa) sobre as pequeninas letras, aquelas as quais nos arrependemos de (não) ler:
• Seguro mais caro (o carro é mais caro)
• Manutenção pode ser mais barata, mas reparos são mais caros
• Reposição da bateria nem sempre inclusa no valor de compra
• Gadgets não inclusos (sim, o carregador do carro não está incluso na compra do veículo!)
Cenário simulado e simplificado: compro meu híbrido por R$ 200 mil e rodo em 5 anos o equivalente a 60 mil km; não calculei o custo de combustível e energia elétrica, nem o seguro ou manutenção preventiva, mas vou assumir que foram menores se comparado a um veículo “normal”. Após 5 anos a bateria não funciona mais, excedeu o ciclo de vida e “morreu”. Vou à oficina e pergunto o que dá para fazer (minha carteira geme no fundo do bolso); o nobre mecânico, com sabedoria, diz: “Há escolhas na vida. Há o certo e o errado. Há o óleo e água, e eles não se misturam. Pois bem, tens duas escolhas: livra-te da bateria e sejas feliz com teu motor flex manco ou compra uma nova bateria e não olhes para trás, nem te arrependas do teu sacrifício monetário”.
O falso eco-puritanismo para por aqui.
Elétricos. “Prove que o que você tem é único e exclusivo e todos quererão também”. A Tesla reforça esse conceito tão naturalmente humano que hoje é a empresa automobilística mais valiosa do mundo; mas ela tem o melhor produto do mundo em termos de veículo elétrico? E eu realmente preciso dele?
Não há dúvidas que o marketing da Tesla trabalhou eximiamente para esse resultado, porém todas as grandes indústrias já pesquisavam e desenvolviam seus veículos elétricos e autônomos há bastante tempo; o advento estrondoso da Tesla forçou todas a repensarem suas metas de desenvolvimento.
Exemplo disso é o BMW IX que é um projeto nascido essencialmente elétrico - Tesla incluído. O que os diferencia? Freios regenerativos. O resto é cross-over.
Mas... esse formidável veículo de R$ 800 mil reais (o BMW IX) ao qual faltam defeitos para comentar e, apesar do incrível sistema de freios regenerativos, usa bateria da atual geração que suporta poucos ciclos de recarga, é cara, é feita de elementos terrivelmente tóxicos e tem densidade energética baixa.
E o que é essa densidade energética baixa? Vamos comparar, fica bem mais fácil. Imagina a quantidade de energia (energia térmica, emocional, mecânica, do amor, qualquer conceito serve) que tem 1 quilograma de gasolina; 1 quilograma de bateria tem 20 vezes menos energia por quilo. É isso.
Enquanto não tivermos baterias que suportem mais ciclos, recarreguem mais rápido, usem materiais menos exóticos e de preferência mais abundantes (vai chegar a sua vez, grafeno), menos tóxicos e com uma densidade energética algumas vezes mais alta, continuaremos falando de tecnologias falaciosas (com exceção do BMW IX, minha linha de corte a partir de agora...). É a mesma coisa que comprar um carrinho de brinquedo para o filho, o conceito do motor e da bateria são os mesmos dos carros que nos são oferecidos como “genuinamente elétricos de última geração”. Blasfêmia!
Hidrogênio. Inesperadamente, a Toyota fez a Tesla engolir seco após anunciar seus produtos em desenvolvimento: carros a combustão de hidrogênio, carros elétricos com células de combustível e carros com baterias.
Carros movidos a hidrogênio, seja por combustão quente (motor ciclo Otto) ou combustão fria (célula de combustível) não são novidade para os laboratórios e institutos espalhados pelo mundo, inclusive no Brasil, mas estão voltando as discussões técnicas sobre as formas de armazenamento e produção.
Ou seja, a Toyota está aplicando o mesmo golpe da Tesla, talvez tentando encontrar seu lugar nos livros de história automotiva como a precursora da tecnologia do hidrogênio automotivo.
Aguardaremos os próximos capítulos da novelística disputa USA versus Japão! Vorwärts, deutsche Ingenieure!
Motor a GNV. O GNV (gás natural veicular) é menos poluente que a gasolina em até 70%, tem melhor custo-benefício que os outros combustíveis, tem tecnologia já bem desenvolvida e alto nível de segurança, além de infraestrutura de abastecimento e de convertedoras autorizadas.
A notada diminuição do porta-malas e custo de conversão são compensados pelo ótimo custo-benefício: mesmo em tempos de gasolina abaixo de R$ 7,00, o GNV ainda está 49% melhor que a gasolina e 62% melhor que o etanol.
Conclusão. Híbridos e elétricos precisam mais do que uma infraestrutura de pontos de abastecimento elétrico, e por mais polêmicas que apareçam por causa do desenvolvimento ainda incipiente das tecnologias de eletrificação de veículos e das intenções das montadoras ($$$), ainda sim representam os passos necessários rumo à maturidade de tecnologias mais robustas que virão depois.
O hidrogênio automotivo, mesmo sendo um primor de eficiência energética e sustentabilidade, desenha-se como uma tecnologia tão otimista quanto usinas de fusão nuclear de hidrogênio – quando funcionarem de fato e tiverem um custo-benefício aceitável serão revolucionárias – mas em um futuro não tão próximo assim.
Por outro lado, o gás natural veicular tem disponibilidade, infraestrutura de postos de abastecimento, sustentabilidade, substitui quaisquer combustíveis veiculares em custo-benefício e cabe em qualquer carro, não importa se 3 ou 6 canecos, se americano ou japonês, se urbano ou de viagem.
Convenceu-se de que o GNV já está preparado para ser o seu próximo passo? Não devemos desdenhar do futuro quase utópico do hidrogênio ou do esforço ($$$) das montadoras em “evoluir” para o conceito de veículo elétrico, contudo vale lembrar que hoje temos o melhor motor a combustão de todos os tempos, que tanto amamos e conhecemos, do qual tanto dependemos no dia a dia, e que pode bravamente ter um fôlego maior. Não é hora de matar o bom, é hora de convertê-lo ao ótimo.
Engenheiro Mecânico /Evandro Abreu
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