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26/09/2012 - 07:41
Fazenda flagrada com trabalhadores de MS como escravos terá que pagar R$ 1,2 milhão
Midiamax
Uma fazenda do Mato Grosso que mantinha como escravos trabalhadores contratados no interior de Mato Grosso do Sul foi condenada a pagar R$ 1,2 milhão de indenização por dano moral coletivo. A Agropecuária Ribeirópolis foi flagrada com 14 funcionários em situação análoga à de escravidão no município mato-grossense de Santo Antônio de Leverger.

Entre os trabalhadores rurais mantidos como escravo, havia homens que foram contratados em Jardim, a 239 quilômetros de Campo Grande. Os sul-mato-grossenses eram recrutados com falsas promessas e não realizam exames médicos admissionais.

Segundo o MPT-MT (Ministério Público do Trabalho), com relação aos trabalhadores de Mato Grosso do Sul ainda havia a infração de ignorar a Instrução Normativa n° 76/2009 do MTE, que exige a certidão liberatória para atividades realizadas em localidades diversas daquelas onde residem os trabalhadores.

Além de ter que pagar a indenização milionária, a empresa foi incluída pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) na "Lista Suja" como é chamado o Cadastro de Empregadores que submetem trabalhadores a condições análogas às de escravo.

Denúncia anônima

A ação civil pública foi ajuizada em novembro de 2011, após denúncia anônima apresentada diretamente na PRT 23ª Região. Atendendo a uma requisição do MPT, em 20/9/2011, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel Regional de Rondonópolis, formado por auditores fiscais do Trabalho e agentes da Polícia Federal, deslocou-se até o local com o objetivo de averiguar a veracidade dos graves fatos noticiados.

Chegando à fazenda, a equipe verificou que todos os trabalhadores estavam acomodados em barracos feitos de lona ou palha de babaçu, montados sobre o piso de terra batida e sem proteção lateral capaz de impedir a ação dos ventos e da chuva ou a entrada de animais peçonhentos ou silvestres.

O empregador também não fornecia camas, obrigando os trabalhadores a dormir em tarimbas (camas feitas de toras de árvores) ou sobre galões de óleo diesel, com colchões em péssimas condições de conservação e higiene.

Segundo o magistrado que proferiu a sentença, o relatório de fiscalização, com as fotos reproduzidas in loco pelo Grupo Móvel e os depoimentos tomados dos trabalhadores deixaram comprovado de modo irretorquível na ação proposta a conduta ilegal da empresa, de total descaso com seus empregados.

“As condições de trabalho, expostas pela vasta documentação carreada aos autos, adrede ao relatório fotográfico também presente nos autos, denunciam, às escancaras, o desprezo pelos valores sociais e importância da manutenção de princípios norteadores de condução do negócio sob o prisma do respeito ao trabalhador [insista-se, ser humano como partícipe da construção do patrimônio da ré], em sua função básica, qual seja, sua integridade física de saúde”, ressaltou.

Para o procurador do Trabalho Marco Aurélio Estraiotto Alves, a condenação da empresa ao pagamento da indenização é uma importante conquista do MPT para desestimular as mesmas condutas do meio rural no estado de Mato Grosso. “A sociedade não suporta mais ver seres humanos sendo retirados daquilo que mais têm de precioso: uma parte de suas próprias vidas. É preciso puni-los. E exemplarmente”, frisou.

A ideia da condenação da empresa como instrumento educativo também foi citada pelo juiz Luis Aparecido, que complementou o raciocínio: “A dignidade da pessoa humana, bem como o valor social do trabalho, fundamentos da Carta Política, foram agredidos de forma grotesca, ensejando o dever de indenização a fim de propiciar a reparação, cumulada com medida pedagógica, que tem o escopo de inibir práticas futuras dessa natureza”.

Como escravos

Além das precárias condições dos alojamentos, os empregados não possuíam instalações sanitárias, o que implicava a satisfação das necessidades fisiológicas no meio do mato. Duas mulheres utilizavam instalações improvisadas para o banho sem porta de acesso, deixando-as totalmente expostas aos demais colegas de trabalho.

A empresa também não fornecia os equipamentos de proteção individual, muito menos os adequados para a aplicação de agrotóxicos sem risco de contaminação, gerando intoxicação química e exposição a agentes causadores de câncer ocupacional.

A utilização de produtos ou substâncias tóxicas nocivas à saúde humana, como os agrotóxicos, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação, importa a caracterização de crime ambiental, segundo o disposto no artigo 56 da Lei dos Crimes Ambientais.

Entre outras irregularidades, a fiscalização também apurou que nenhum trabalhador possuía CTPS ou tinha sido registrado em livro, ficha ou sistema eletrônico.

Criação de bonivos

A Agropecuária Ribeirópolis Ltda. possui como principal atividade econômica a criação de bovinos para corte em extensa área rural. A Fazenda Três Marias, que foi o alvo da fiscalização, possui cerca de 48,598ha (quarenta e oito mil e quinhentos e noventa e oito hectares) e contava, na época da inspeção, com aproximadamente 12 mil cabeças de gado. Com base na tabela de preços referencial de terras no estado de Mato Grosso, elaborada por engenheiros do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, foi possível concluir que o valor aproximado da propriedade correspondia a 106 milhões de reais.

Além disso, considerando o valor médio de R$ 1.210,00 por cada boi magro (30 meses), multiplicado pelo número de cabeças de gado vivo existente no período da fiscalização, chegou-se ao valor de 14,5 milhões de reais investidos na propriedade rural.

Assim, para o procurador do Trabalho Marco Aurélio, a análise do porte da Agropecuária Ribeirópolis tornou ainda mais revoltante o descaso da empresa em relação aos mais básicos direitos de seus empregados.

“Fica demonstrado que a sua sanha pelo lucro não encontra limites sequer no respeito à dignidade dos trabalhadores empregados em suas terras [...]. O comportamento adotado pela ré não pode ser visto como algo anacrônico, ou seja, fruto de desorganização empresarial ou coisa que o valha. Não! O comportamento adotado visa à maximização dos lucros com a correspondente redução do custo do capital variável, que, obviamente, recai sobre os trabalhadores”, ressaltou.

O vultoso patrimônio da empresa também chamou a atenção do juiz Luis Aparecido, que condenou a opção da empresa pelo lucro exacerbado em detrimento das condições dignas de tratamento que deveriam ter sido dadas aos trabalhadores. “As consequências são letais para toda a sociedade, na medida em que agigantam os gastos da Previdência Social [trabalhadores adoecidos], agride os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e valor social do trabalho, coletiviza os segregados e denuncia verdadeiro descaso com as normas de segurança e higiene do trabalho, pilares inafastáveis da tutela pretendida pela constituição cidadã”.

Números

Dados da Comissão Pastoral da Terra e do Ministério do Trabalho e Emprego demonstram que, entre os anos de 2005 e 2010, foram libertados 2.979 trabalhadores em situação análoga à de escravo. Em Mato Grosso, que figura desde 2003 entre os primeiros colocados no ranking de denúncias envolvendo trabalho escravo, foi realizado o resgate de 122 pessoas.

Segundo o Relatório Estadual de Direitos Humanos e da Terra, organizado pelo Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, publicado em julho de 2011, a pecuária é a principal atividade realizada nos estabelecimentos em que foram resgatados mais de 50% dos trabalhadores. (Com informações do MPT/MT, sobre o Processo 0001532-41.2011.5.23.0007)

    
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