Imagine uma pessoa guardar objetos de todos os tipos dentro de casa. Mas de todo tipo mesmo, milhares de coisas empilhadas até o teto. E, no meio dessa confusão, dólares e barras de ouro.
Uma funcionária pública aposentada do Rio Grande do Sul fazia exatamente isso: escondia um tesouro no meio de uma bagunça gigantesca. Mas, enquanto ela estava viva, ninguém sabia. A verdade só surgiu depois que a mulher morreu. Uma morte misteriosa, que intriga a família e os amigos.
Depois, recentemente, já em Porto Alegre, uma senhora aposentada. Bernadeth se formou em medicina veterinária. Passou em um concurso público e se tornou fiscal do ministério da Agricultura.
Foram 24 anos de carreira, até se aposentar. O Fantástico conversou com a amiga de Bernadeth, que prefere não ser identificada. Ela tem medo de represálias. “A Bernadeth era uma pessoa maravilhosa. Uma pessoa prestativa”, conta.
Bernadeth era solteira, não tinha filhos e escondia um grande segredo. “Ninguém tinha acesso à casa dela. Ela não abria a porta para ninguém”, diz a amiga de Bernadeth
o motivo:
O apartamento de Bernadeth, no bairro Santo Antônio, de classe média, na capital do Rio Grande do Sul. A aposentada tinha um transtorno psiquiátrico: era uma acumuladora compulsiva de objetos.
“De início, podem começar parecendo mais colecionadores mesmo, que é uma coisa normal. E isso vai, vai, vai até que a pessoa perde a noção de que aquilo ali não faz sentido”, explica a psiquiatra da PUCRS, Patrícia Picon.
Os três quartos do apartamento estão cheios de roupas, malas, cobertores, sacolas e outros objetos. Mas o mais impressionante é o banheiro. O box está lotado. Não é possível nem entrar para tomar banho. “A pessoa perde a noção de higiene, não se alimenta adequadamente. Isso vai em uma bola de neve até que você se isola do mundo”, afirma Patrícia Picon.
Amigos e parentes dizem que Bernadeth não fazia nenhum tipo de tratamento médico. “Ela juntava coisas na rua, no lixo. Mas ela sempre dizia que era para doar para alguém”, conta a vizinha que não quis ser identificada.
A vida secreta da aposentada só foi descoberta depois que ela morreu, em julho de 2012, aos 67 anos. A Dona Bernadeth dormia em um quarto, que tem uma coleção de jarros, copos, pilhas de papéis, livros, dezenas de almofadas de todos os tipos e tamanhos. É difícil até de caminhar dentro. E ela foi encontrada morta no quarto ao lado, embaixo de uma pilha de roupas que, segundo a perícia, chegava a quase dois metros de altura.
As roupas cobriam o corpo dela. Os laudos da polícia gaúcha apontaram que o apartamento não foi arrombado, que a aposentada estava morta havia de três a cinco dias e que o corpo não apresentava sinais de violência.
Dona Bernadeth teve um mal súbito? Um enfarte? Não se sabe. No atestado de óbito, consta causa da morte indeterminada.
“A perita, com a análise, ela diz que, pelo estado de putrefação, ela não conseguiria afirmar a causa da morte, pela decomposição que já estavam os órgãos”, afirma Cleber Müller, diretor-geral do instituto geral de perícias do Rio Grande do Sul.
Um dia depois do encontro do corpo, Dona Bernadeth foi cremada, sem a realização de exames mais detalhados sobre a causa da morte. A cremação seria um pedido da aposentada, feito em 2003.
“Quando existe uma morte ou de forma violenta ou suspeita, só se autoriza a cremação através de um mandado judicial. Eu entrei com esse mandado judicial porque quis cumprir o que ela tinha pedido”, diz o sobrinho de Bernadeth, Afonso Praça Baptista.
No apartamento, no meio de toda essa bagunça, a aposentada guardava mais de três quilos de ouro e 37 mil dólares, que equivalem a cerca de R$ 115 mil. Uma fortuna que estava dentro de potes de café. Somando isso tudo e mais imóveis e aplicações financeiras, Dona Bernadeth tinha um patrimônio estimado em R$ 2 milhões. Dez sobrinhos e seis irmãos dela disputam a herança na Justiça. Segundo os amigos, ela não escondia que era rica.
“Todo mundo sabia porque ela comentava. Se as pessoas se apertavam, vendiam uma joia para ela, ela comprava, dava dinheiro, ela emprestava muitas vezes”, diz a amiga.
Com tantas revelações surgindo depois da morte, parte da família começou a desconfiar: será que a aposentada não foi assassinada e o criminoso jogou a pilha de roupas em cima dela? Talvez um ladrão, quem sabe.
Uma irmã, Laura, resolveu contratar peritos particulares. Eles reconstituíram o que poderia ter acontecido no dia da morte, analisaram os laudos da polícia e concluíram que houve falhas e omissões no trabalho dos peritos oficiais.
Fantástico: O que faltou ser feito na época?
Rosângela Llanos, investigadora criminal: Vários exames. E um deles é o toxicológico para determinar a causa da morte.
Fantástico: Se tivesse sido feito o exame?
Rosângela Llanos: Com certeza, o inquérito policial não seria causa indeterminada da morte.
Fantástico: Com o que vocês viram, tanto tempo depois, é possível afirmar o quê?
Rosângela Llanos:Que a cena do crime não é compatível com uma morte natural.
O exame toxicológico consegue mostrar se houve uma overdose de drogas ou se a aposentada foi envenenada. Para o diretor do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul, os laudos oficiais estão corretos. “Não vemos nenhuma falha. Não foram encontrados vestígios no corpo nem no local que levassem nem a suspeita de homicídio ou suicídio”, conta Cleber Müller.
Fantástico: A senhora acha que tem motivos para alguém matar a dona Bernadeth?
Laura Bernardes Baptista, irmã de Bernadeth: Olha, para mim motivo que é esse de que ela dizia que tinha dinheiro.
Fantástico: A senhora tem suspeitos?
Laura Bernardes Baptista, irmã de Bernadeth: Suspeito. Eu não tenho.
“Se a Bernadeth por acaso tenha realmente sido assassinada, eu só espero que as investigações complementares cheguem a uma conclusão e cheguem ao culpado”, diz Afonso Praça Baptista, sobrinho de Bernadeth.
A morte será investigada de novo? E com quem vai ficar a herança? Por enquanto, a certeza é que o transtorno psiquiátrico de Dona Bernadeth provocava solidão e uma enorme tristeza. “São pessoas muito sofridas. Eu desconheço a possibilidade de melhorar sem tratamento”, diz a psiquiatra da PUCRS, Patrícia Picon.
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