Mais uma vez, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), conseguiu reverter uma derrota de uma noite para outra, deixando evidente sua força política.
Após uma proposta que previa a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no caso de crimes hediondos e outros delitos considerados graves ter sido rejeitada na terça-feira pelos deputados, Cunha colocou em votação na noite de quarta-feira uma alternativa um pouco mais branda, que incluía um número menor de crimes, e conseguiu aprovar a medida na madrugada desta quinta.
O episódio foi semelhante ao que ocorreu em maio na votação sobre doações de empresas a campanhas políticas – após o plenário rejeitar repasses para candidatos, foi aprovado o financiamento apenas para partidos.
Em 24 horas, o defensores da redução da maioridade penal conseguiram conquistar mais vinte votos, de partidos como PMDB, PSDB, PSB e PV.
Na madrugada desta quinta-feira, 323 deputados aprovaram a mudança da maioridade penal. Na noite anterior, foram 303 favoráveis, cinco a menos que o mínimo de 308 necessários para alterar a Constituição.
Deputados acusaram Cunha de autoritarismo por colocar tema em votação novamente
No entanto, para que a Constituição seja modificada, é preciso ainda aprovar a matéria em mais uma votação na Câmara, após o mínimo de cinco sessões de intervalo, e duas vezes também no Senado.
Houve grande polêmica sobre se as regras internas da casa permitiriam ou não votar a nova proposta – uma emenda aglutinativa, ou seja, um texto que reunia o teor de outras emendas.
Deputados contrários à votação disseram que não era possível votar tal emenda porque ela não havia sido apresentada na quarta-feira, quando teve início a apreciação do tema.
Diversos deputados contrários à redução disseram que Cunha "não sabe perder" e atacaram a votação desta noite - uma "pedalada regimental", segundo Weverton Rocha (PDT-MA); "estupro do regimento", de acordo com Chico Alencar (PSOL-RJ), "escalada do autoritarismo", na opinião de Glauber Braga (PSB-RJ).
Após a votação, Cunha rebateu as críticas e disse ter certeza de que o procedimento estava correto, já que a votação do tema ainda não tinha sido totalmente concluída.
"Processo legislativo não termina com a primeira votação. Nós estamos absolutamente tranquilos com a decisão tomada. Eu duvido que alguém tenha condições de tecnicamente me contestar uma vírgula", afirmou.
Para uma PEC ser aprovada, ela precisa ter o texto idêntico, sem nenhum alteração, aprovado na Câmara e no Senado, por 60% dos parlamentares, em dois turnos.
Os parlamentares preveem que será mais difícil aprovar a redução entre os senadores. Há outras propostas em análise no Senado, como, por exemplo, uma apresentada pelo senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que prevê que a aplicação da redução da maioridade penal no caso de alguns crimes graves seria avaliada caso a caso pelo Ministério Público e pelo juiz - ou seja, não seria automática.
"Emenda Constitucional, para poder valer, tem que ter o mesmo texto aprovado nas duas casas. Da mesma forma, se o Senado votar um texto que a Câmara não concorda, não vai valer, e vice-versa. Então, vai ter que ter um texto que as duas casas votem. Vai ter que encontrar (um acordo), no ping ou no pong, uma hora vai bater a bola", disse Cunha, ao ser questionado se havia o risco de um "ping-pong" entre as duas casas.
Em meio a essa disputa, o governo e o PT tentam barrar a redução da maioridade. Como alternativa à redução, a administração de Dilma Rousseff passou a apoiar a proposta do senador José Serra (PSDB-SP) para reformar o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), aumentando a punição de jovens criminosos e de adultos que cooptam menores para o crime.
Havia expectativa de que essas questões fossem votadas na quarta-feira, mas os senadores resolveram debater mais o assunto e esperar o resultado da discussão sobre maioridade na Câmara.
Sai tráfico
A proposta votada na Câmara foi apresentada por líderes do PSD, do PHS e do PSC, após acordo costurado por Cunha. A emenda aprovada prevê que poderão ser julgados como adultos jovens a partir de 16 anos acusados de crimes hediondos (estupro, sequestro, latrocínio, homicídio qualificado e outros), homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte.
O objetivo foi abarcar apenas atos criminosos mais graves, em que há uso significativo de violência. O novo texto excluiu a redução da maioridade penal no caso de delitos como tráfico de drogas, terrorismo e lesão corporal grave.
Parlamentares que apoiaram a mudança argumentaram que a maioria da população é a favor da redução da maioridade e que ela é necessária para combater a impunidade. Já os que se opunham a ela disseram que a medida não resolverá o problema da violência do país e que deveria se investir em mais oportunidades para os jovens.
Essa sessão não teve a presença dos manifestantes como na noite anterior. Cunha proibiu a entrada do público nas galerias sob a justificativa de que houve "confusão" na terça–feira.
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