Em um dos primeiros artigos aqui na ConJur, escrevi a respeito do direito de acesso à informação. Na oportunidade, discorremos acerca do princípio da transparência, valor fundamental para a democracia, previsto no artigo 37 da Constituição Federal. Reiteramos a ideia de que a Constituição e a Lei 12.527, Lei de Acesso à Informação, tratam a transparência como regra geral a guiar os objetivos da república, indicando, como exceção a esse valor maior, situação que importar risco à segurança da sociedade e do Estado.
Chamamos a atenção para a administração pública, em especial a federal, que negava recorrentemente o acesso a documentos e informações públicas, estabelecendo como regra a não observância dos valores de transparência. Citamos alguns casos já judicializados, como, por exemplo, o mandado de segurança impetrado pelo jornal Folha de S.Paulo — e seus jornalistas — em face do BNDES, objetivando acesso ao relatório técnico em que o banco fundamenta as razões pelas quais concede ou nega empréstimo a entidades públicas e privadas.
No caso mencionado, muito embora o Tribunal Regional Federal da 2ª Região tenha concedido a ordem, os documentos ainda não foram acessados pelo veículo de comunicação, pois em primeira instância o processo foi suspenso, aguardando decisão do Supremo Tribunal Federal[1].
Acontece que, mesmo diante de uma verdadeira avalanche de suspeitas de desvio de dinheiro público, o que deveria impor ao governo uma maior transparência de seus atos, fazendo valer a afirmação de Bobbio[2], quando define “governo da democracia como o governo do poder público em público”, temos que a sociedade continua restringida do exercício do direito de acesso a algumas informações e documentos, tais como os critérios que justificam a concessão de recursos públicos pelo BNDES.
Em função dos acontecimentos revelados por investigações que acabam por trazer à baila algumas mazelas do Estado, começa-se a olhar com maior desconfiança para os recursos empregados pelo BNDES. Apenas para resumir esse interesse público a respeito do assunto, que não é de hoje, é sabido que o referido banco aplicou bilhões de reais no grupo JBS, cuja transação acabou por ser objeto de requerimento de instauração de inquérito civil pelo Ministério Público. Também o Tribunal de Contas da União questionou operação envolvendo milhões de reais emprestados para empresas de Eike Batista. Mais recentemente, o mesmo TCU questiona o BNDES a respeito de contratos de empréstimos a governos estrangeiros.
Acontece que, recentemente, foi publicado no jornal Folha de S.Paulo, e também nesta revista eletrônica, notícia que dá ao nosso Estado Democrático um certo alento, uma efetiva esperança de que a sociedade poderá tomar conhecimento do que, até hoje, tem sido tratado com sigilo inexpugnável: a motivação das decisões do BNDES para a concessão de empréstimos.
Mais uma vez provocado pelo jornal Folha de S.Paulo, o BNDES negou administrativamente acesso aos referidos documentos, o que motivou o ingresso de novo mandado de segurança contra o referido Banco de Desenvolvimento. O caso chegou ao Tribunal Regional Federal pela via do agravo de instrumento, interposto contra decisão de primeira instância que, a despeito de reconhecer a verossimilhança do direito, deixou de deferir a liminar sob o argumento de ausência de urgência. O desembargador Guilherme Calmon Nogueira da Gama, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a quem foi distribuído o agravo, deferiu a tutela antecipada recursal, determinando a apresentação do relatório em que estão presentes as informações e os fundamentos para a concessão de empréstimos pelo BNDES.
De forma acertada, disse o relator:
“...levando em consideração a característica da atualidade das informações de modo a permitir o exercício da atividade relacionada à imprensa quanto aos dados existentes nos arquivos do BNDES referentes às operações de financiamento ou empréstimo realizadas com valores acima de um milhão de reais no período de abril de 2011 a dezembro de 2014. É fato público e notório que há proposta de instalação de CPI em uma das Casas Legislativas referentes à atuação do BNDES, sendo atividade dos órgãos de comunicação social também o levantamento de dados para permitir a maior transparência possível à população a respeito do uso dos recursos públicos”.
A bem lançada decisão colocou novamente luzes à questão da participação da imprensa nesse processo de verificação e vigilância das coisas públicas, fazendo cumprir norma insculpida no artigo 5º, XIV, da Constituição Federal. Na atual proposta constitucional, sabidamente democrática e com participação ativa da sociedade, a imprensa possui papel de destaque, na medida em que revela informações que consultam o interesse público, permitindo o acompanhamento vigilante da sociedade. O direito que a sociedade tem à informação dos atos praticados pela administração pública constitui premissa de todo Estado democrático.
De acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto da Costa Rica), adotada em 1969, à qual aderiu o Brasil em 1992, o direito à liberdade de pensamento e expressão inclui não apenas o direito à liberdade de um indivíduo de expressar o seu próprio pensamento, mas também o direito e a liberdade de buscar, receber e distribuir informação e ideias de todo tipo. Ao expressamente dispor sobre o direito de buscar, receber e divulgar informação, o artigo 13 da Convenção protege o direito de todos os indivíduos de requerer acesso à informação ao Estado que a detém. Consequentemente, esse dispositivo protege o direito do indivíduo de receber informações e institui a obrigação do Estado em provê-la.
Ora, como já tivemos oportunidade de escrever em outros artigos, não é democrático um Estado em que as decisões políticas sejam tomadas sob a penumbra, sem que sejam dadas a conhecer não apenas as deliberações em si mesmas, como também as razões que as inspiram, uma vez que se tratam dos critérios utilizados pelos representantes do povo[3].
A propósito, o ministro Luiz Fux, no julgamento do Mandado de Segurança 33.340, impetrado pelo TCU contra o BNDES, foi bastante feliz ao dizer: “Quem contrata com o poder público não pode ter segredos, especialmente se a revelação for necessária para o controle da legitimidade do emprego dos recursos públicos”.
O controle da legitimidade da utilização dos recursos públicos se faz, também, pelo papel exercido democraticamente pela imprensa como difusora de informações de interesse público e fiscalizadora dos agentes do Estado.
Para encerrarmos com uma citação, vale a lembrança do saudoso Norberto Bobbio: existe uma diferença entre autocracia e democracia, sendo que naquela o segredo do Estado é uma regra, e nesta, uma exceção regulada por leis que não lhe permitem uma extensão indébita.
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