Giovane da Silva Ortiz, de 18 anos, primo do menino de 4 anos que foi torturado em rituais de magia negra pelos tios que o adotaram, em Campo Grande, contou para a polícia que assistia às agressões e que não podia fazer nada.
"[Eles] Amarravam e batiam no guri com a bengala, nas pernas, em qualquer lugar do guri. Eu não podia fazer nada, estava morando na casa deles [tios que adotaram criança] de favor. Não cheguei a participar muitas vezes", disse Giovane em entrevista à imprensa.
O rapaz é o terceiro preso suspeito de torturar a criança. Ele foi encontrado na tarde dessa quarta-feira (24), na casa do pai, em Aquidauana. Os pais adotivos do menino estão presos desde terça-feira (23) e confessaram o crime. A mulher foi transferida para Corumbá e o homem continua.
Terceiro suspeito
O jovem foi trazido para a capital. Segundo o delegado Cleverson Alves dos Santos, titular do Serviço de Investigações Gerais (SIG), em depoimento Giovane confessou participar da tortura e alegou ser influenciado por espíritos.
"Ele alega que não era ele quem efetuava as torturas na criança e sim o preto velho, algo nesse sentido que ele chama. Era a entidade que incorporava nele e era essa entidade que praticava os atos de tortura e não ele. Então, a gente não tem como prender a entidade, a gente vai prendê-lo para prender junto com ele a entidade", afirmou o delegado.
O caso chocou os profissionais das polícias militar e civil, Conselho Tutelar e médicos que atenderam a ocorrência em Campo Grande.
Visita surpresa
A Polícia Civil foi informada do caso na noite de terça-feira (23), depois que a criança foi internada na Santa Casa de Campo Grande com sinais de tortura. A assistência social do hospital acionou o Conselho Tutelar, que denunciou o caso para a polícia. Conforme a delegada Priscilla Anuda Quarti, há indícios de que a criança já vinha sofrendo agressões físicas há bastante tempo.
A situação foi descoberta durante uma visita surpresa da equipe multidisciplinar da entidade de acolhimento onde o menino esteve antes de ser adotado por familiares. O acompanhamento sistemático é feito durante os seis primeiros meses da adaptação da criança na família extensiva para depois os pais adotivos conseguirem a guarda definitiva.
Nesse período, nenhuma anormalidade foi constatada, segundo a coordenadora do núcleo de adoção do Fórum de Campo Grande, Lilian Regina Zeola. A última visita foi feita no dia 29 de outubro de 2015. Em dezembro, o menino foi levado pelos tios a uma festa do abrigo onde morou. No local vive a irmã dele à espera de adoção. Desde então, a tia não foi mais encontrada pela equipe de acompanhamento, por isso, a visita surpresa foi feita nesta semana.
Cirurgia
O menino continua internado na sala de emergência na pediatria da Santa Casa, onde passou por processo de drenagem cirúrgica de abscesso extenso na orelha esquerda, segundo a assessoria do hospital.
De um lado, ele possui apenas 20% da visão, enquanto que do outro lado não enxerga. Profissionais da cirurgia plástica também constataram extensas queimaduras na face e no pescoço, provocados por líquidos, charuto e cigarro.
O médico-legista Silvio Luís da Silveira Lemos, que atendeu o menino torturado disse que a criança, “mesmo traumatizada é extremamente colaborativa e dócil” e esse comportamento diante da gravidade das lesões, contagiou a equipe do hospital.
Família e adoção
O homem preso era tio-avô do menino e ele e a esposa teriam sido os familiares mais próximos interessados na guarda da criança, depois que a avó materna deixou a criança devolveu à Justiça alegando que não tinha condições de cuidá-la. A avó negou saber das agressões.
Nesses casos em que o Conselho Tutelar prioriza a reintegração da criança na própria família, os parentes interessados na guarda não passam pelo rigoroso processo de avaliação feito nos casos de adoção, como avaliação psicológica, curso preparatório, investigação familiar e fila de espera.
O vínculo afetivo da criança com o parente é um dos pontos mais avaliados, segundo a coordenadora do núcleo de adoção do Fórum de Campo Grande, Lilian Regina Zeola. Quando não existe a possibilidade de família extensiva, sob a guarda de parentes, a criança passa pelo processo de adoção tradicional, que leva mais tempo e tem diversas etapas.
Em depoimento, a tia contou que adotou a criança com intenção de utilizá-la em rituais de sacrifício. Segundo a polícia, os pais da criança são usuários de droga e a abandonaram.
O menino não frequentava escola e morava com os pais adotivos, que tem duas filhas biológicas, que assistiam aos rituais de tortura. A casa fica nos fundos de um prédio comercial no Centro da capital sul-mato-grossense, em uma espécie de cortiço ao lado de outras três residências.
Vizinhos afirmaram à polícia não terem suspeitado da situação. O casal foi indiciado por tortura qualificada por lesão grave com a pena aumentada pela vítima ser criança e abandono de incapaz.
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