O repórter Jefferson da Luz está detido há quase três horas no Garras por tentar fotografar o procurador Carlos Alberto Zeolla, preso pelo assassinato do sobrinho.
O exercício da função profissional na verdade foi o começo de uma sucessão de equívocos que neste momento servem para colocar em debate qual o papel da Polícia, qual a missão do jornalista e quando esses objetivos se perdem.
A rotina de apresentação de presos à imprensa só não é abalada quando o “elemento” em questão é alguém de menor “valor” para as instituições. No caso de hoje, o “elemento” é um procurador de Justiça, blindado de todas as formas com recursos do poder público.
Para dar ao preso o mesmo tratamento dispensado a qualquer outro, mesmo aqueles detidos por crimes de menor potencial ofensivo, o repórter buscou alternativas, invadindo área restrita.
Sem menosprezar o desrespeito à regra de segurança, a defesa irrestrita à imagem do homem da Justiça, feita pelos policiais, levou o profissional a buscar outros meios de garantir sua “ética” profissional, que é levar a verdade ao leitor.
Ao ser questionado sobre a presença na área restrita, o jornalista informou que estava ali para registrar Carlos Zeolla. Comunicado por um agente, não identificado, que naquele ponto a permanência era proibida, o jornalista cometeu o “crime” de questionar porque o tratamento entre “ladrões de galinha e procuradores” era diferenciado.
Nesse momento os ânimos começaram a se exaltar, com perda de controle de ambos os lados.
De outro ponto da delegacia, a editora do Campo Grande News, Ângela Kempfer, acompanhava a confusão, mas apenas com informações que vinham dos gritos do repórter. Jefferson gritava com policiais pedindo para que lhe soltassem, com a voz abafada em alguns momentos, como se estivesse com a boca tapada.
Ao chegar perto, ainda viu um dos agentes rindo da cena. Sem entender direito o que ocorria, a editora também entrou na área restrita e foi recebida por dois agentes da corporação, considerada “elite da Polícia Civil sul-mato-grossense”, descontrolados.
Com o tom de voz bastante agressivo, um deles mandou que a “senhora” se retirasse do local. A jornalista tentou perguntar o que havia ocorrido, mas sequer foi ouvida.
Outro agente, o que antes estava rindo da cena, mesmo vendo o nervosismo estampado no rosto da editora, se restringiu a perguntar: “Você não viu a placa, é cega?”.
As palavras podem não ser consideradas “brutais” diante de tamanha violência acompanhada diariamente em Campo Grande, mas vinda de agentes públicos, assusta.
Não dá para banalizar o mau-trato de agentes públicos, que deveriam ser treinados para sangue frio em momentos de crise. Causa espanto porque são homens que deveriam passar segurança a qualquer um, independente de sexo, porte físico, condição social.
Sem respostas sobre o que havia acontecido, a editora voltou á redação e gentilmente foi informada pelo delegado Ivan Barreira que o repórter havia sido detido por desacato, resistência á prisão, e lesão corporal.
A dita “lesão corporal”, segundo o delegado Silvano Mota é um arranhão, que no momento do tumulto foi feito na mão de um dos policiais que tentavam segurar o repórter, realmente exaltado.
O Garras nega qualquer abuso ou “falta de decoro” policial. Na versão deles, o repórter “xingou”, ofendeu e foi agressivo com os agentes. Um dos policiais, o “ferido” seria “um doce de pessoa”, na avaliação do chefe. Nenhum dos dois pode ser ouvido, mas a Polícia acusa o repórter, inclusive, de ter mordido um dos agentes.
O fato é que o rapaz acabou preso e ainda, segundo informações do delegado, vai responder a processo por todos os “crimes” relacionados anteriormente.
Em uma sala do Garras, ele fica incomunicável, O delegado pediu “um tempo”, que segundo advogados na recepção, na prática é um castigo para o “nervosinho que peitou a Polícia”.
Na delegacia, a editora ainda teve de ouvir que o tom nunca foi levantado durante todo o impasse envolvendo os dois jornalistas. E que a jornalista foi “gentilmente” conduzida por policiais equilibrados.
Sem trocas de ataques, defesa e acusação caberão agora em outra esfera. Cabe reforçar que o respeito permanece aos bons policias, que são muitos, tanto civis, quanto militares. Mas o que não se pode aceitar é o poder usado para “dar lições”.
Que bom seria se todos os excessos fossem objetos de processo, tanto do jornalismo, quanto da Polícia.
Ou que terrível seria, diante da morosidade da Polícia em solucionar casos (diante da estrutura precária também), da Justiça em julgá-los e da imprensa em adotar regras que evitem a exposição de cidadãos comuns em detrimento de homens poderosos.
Independente de profissão, o caso deste final de tarde mostra que o serviço público e o jornalismo nunca poderiam dar brechas aos excessos.
Quanto ao procurador? Seguiu tranqüilo, de terno e gravata, escoltado até o MPE (Ministério Público Estadual), um aparato que qualquer “ladrão de galinhas” adoraria ter.
(O repórter Jefferson da Luz foi liberado às 20h50) Campo Grandenews
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