O caso envolvendo postagens racistas de moradores de Dourados (cidade a 251 km de Campo Grande) contra nordestinos por causa do resultado do primeiro turno da eleição presidencial viralizou e ganhou repercussão nacional.
Nesta segunda-feira (3), o promotor pediu para a Polícia Civil e a Polícia Federal investigarem dois casos específicos – postagem feita pela página “Mídia Dourados” na rede social Facebook e declarações racistas postadas por um personal trainer douradense no Instagram.
A repercussão foi imediata. Ainda ontem, a notícia foi publicada no blog do repórter Fausto Macedo, do jornal “Estado de S. Paulo”, e hoje saiu na revista eletrônica Conjur (Consultor Jurídico).
João Linhares disse hoje ao Campo Grande News que recebeu centenas de denúncias, mas de casos ocorridos em outros estados, em comentários e marcações em sua conta no Twitter.
“As pessoas podem enviar suas denúncias com registros fotográficos (prints) das postagens racistas para o Ministério Público ou diretamente para a polícia. Se o site ou perfil é de SP, por exemplo, o ideal é que seja registrado lá, pois assim a coleta de provas e oitiva dos autores, testemunhas, ficam, mais céleres e eficientes”, afirmou Linhares.
Segundo o promotor, as denúncias podem ser feitas por e-mail ou pelos sites da polícia ou do Ministério Público. Previsto no artigo 20, parágrafo 2º, da Lei 7.716/1989, o crime de racismo estipula pena de 2 a 5 anos de prisão se praticado pela imprensa ou redes sociais, além de multa e reparação por danos morais coletivos.
Postagem feita por personal de Dourados após 1º turno das eleições (Foto: Reprodução)
Rede e farinha – A apuração dos votos do primeiro turno mostrou vitória do candidato do PT à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva sobre o presidente Jair Bolsonaro em todos os estados nordestinos e em quatro dos sete estados da região Norte.
A página “Mídia Dourados” postou a mensagem “depois vem pro Sul vender rede”. Com histórico de postagens contra Lula e a esquerda e contra as urnas eletrônicas, a página tem 57 mil seguidores. A postagem foi excluída.
Já o personal identificado como “Vinícius FBS” fez duas postagens: “Ê Nordeste, você ainda vai comer muita farinha com água pra não morrer de fome” e “O Nordeste merece voltar a carregar água em balde mesmo. Aí depois vem esse bando de ‘cabeça redonda de bagre’ procurar emprego nas cidades grande (sic)”.
Histórico – O promotor João Linhares tem atuação contundente no combate ao racismo. Em 2010, ele denunciou o então prefeito de Dourados Ari Artuzi (morto de câncer em 2013).
Em entrevista a uma rádio da cidade meses antes de ser preso por corrupção, Artuzi disse que sua administração estava fazendo “serviço de gente branca”. Em março de 2013, ele foi condenado a 3 anos de prisão e a pagar R$ 300 mil de indenização, mas morreu cinco meses depois.
Nas eleições de 2014, a exemplo do ocorrido agora, João Linhares denunciou servidora pública, na época com 25 anos de idade, que postou em rede social a frase “Já pode tacar fogo neste Nordeste burro?”.
A postagem ocorreu após a então presidente Dilma Rousseff (PT) ser reeleita na disputa com Aécio Neves (PSDB) com a maioria dos votos do Nordeste.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul decidiu que não houve dolo (intenção) de racismo e inocentou a servidora. Entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal), no entanto, reafirma crime de racismo nesse tipo de declaração.
“Portanto, à luz do melhor entendimento doutrinário e jurisprudencial, tanto do STF quanto do STJ, o menosprezo deliberado aos nordestinos configura, em tese, crime de racismo e como tal há de ser investigado, processado e seus autores responsabilizados”, afirmou o promotor.
O promotor reforça que que a Constituição Federal repele quaisquer preconceitos (artigo 3º, inciso IV) “e funda-se na dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III), além de considerar o crime de racismo imprescritível e inafiançável (art. 5º, inciso XLII)”.
João Linhares completa: “por sua vez, o tipo penal (previsão legislativa que enuncia a conduta criminosa e prevê sanções) do artigo 20, da Lei n. 7.716/1989 preconiza que é racismo discriminar pessoas em razão de ‘procedência nacional’, entre outros modos”.
Em janeiro do ano passado, quando começou a vacinação contra a covid-19, João Linhares denunciou comentários preconceituosos publicados em redes sociais por causa da prioridade dada aos povos indígenas. Em Mato Grosso do Sul, a imunização começou em Dourados. O caso foi enviado ao MPF (Ministério Público Federal).
CREDITO: CAMPO GRANDE NEWS
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