Plantação da Brenco, em Goiás: a empresa foi posta à venda antes de produzir um único litro de álco A Brenco, empresa que seria a sensação global do etanol, ainda não produziu 1 litro de álcool, mas já torrou 700 milhões de reais e procura um "sócio" para sobreviver. Estamos nas últimas semanas de 2008 e Henri Phillipe Reichstul, executivo que se tornou conhecido por presidir a Petrobras durante o governo Fernando Henrique Cardoso, se espreme na poltrona de um Lear Jet fretado pela Brenco, companhia de etanol e energia renovável que ainda está em fase de implantação. Na viagem de São Paulo até a cidade goiana de Mineiros, Reichstul, animado, recita números e projeções sobre as perspectivas do etanol brasileiro no mercado nacional e no exterior para demonstrar que há espaço para uma companhia surgida do zero com altos padrões de sustentabilidade, tamanho e práticas de multinacional. No campo, mesmo sem muita intimidade com os pés de cana, Reichstul circula feliz. Rememorada nas primeiras semanas de agosto, a viagem, acompanhada por EXAME, parece uma epifania. O dia a dia do presidente da Brenco se transformou numa barafunda de reuniões e cobranças de acionistas, fornecedores, subordinados e bancos. Criada em março de 2007 por iniciativa do próprio Reichstul e de investidores-celebridade, como o indiano Vinod Khosla, da Sun Microsystems, e Steve Case, fundador da AOL, a companhia que prometia uma "revolução" nos canaviais brasileiros se perdeu em meio à falta de controles e a uma condução vacilante. Problemas que, sozinhos, já seriam suficientes para abalar qualquer companhia. Mas que, num contexto de crise financeira generalizada, revelaram-se críticos.
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Diante dessas dificuldades, bastaram apenas oito meses para que a Brenco migrasse do otimismo ao caos. Hoje, no 8o andar do prédio que a empresa ocupa na região da avenida Faria Lima, endereço comercial nobre de São Paulo, os executivos dividem espaço com os consultores da Angra Partners e da Accenture, empresas que estão ali para organizar um banco de dados operacionais da Brenco e, assim, subsidiar as decisões dos candidatos a comprá-la. Angra e Accenture foram contratadas em julho por exigência dos acionistas. Um mês antes, eles haviam feito um aporte de 10 milhões de reais na Brenco, em caráter emergencial, quando o caixa já não conseguia cobrir despesas básicas da operação. O plano inicial de Reichstul e de seus executivos era construir, até 2015, dez usinas de etanol com capacidade de gerar energia com bagaço de cana. A região escolhida, o Centro-Oeste, parecia ideal pelo alto grau de produtividade do solo, por ser economicamente decadente (e, portanto, ter terras baratas, onde até então só havia pasto degradado) e por servir perfeitamente ao modelo de negócios sustentável que faria o diferencial da empresa. Afinal, ao instalar-se ali, a Brenco estaria explorando uma nova fronteira sem ter de derrubar áreas verdes. Quando a companhia começou a se apresentar a fornecedores e investidores, foi saudada como alternativa promissora e moderna. Hoje, a única solução viável para o projeto é a entrada de um novo sócio. Já existe um data room disponível aos interessados e um plano de capitalização para a empresa estimado em 530 milhões de reais, que serão captados com financiamentos e com a emissão de debêntures.
Ao descrever a trajetória da Brenco, os 15 executivos, advogados e consultores entrevistados por EXAME foram unânimes: o projeto era ótimo, mas a execução foi conturbada. Em linhas gerais, havia permissividade com os custos e demora diante dos problemas que se apresentavam. "Embora em algumas áreas houvesse um pouco mais de controle, em outras não havia nem uma mísera planilha de Excel", diz um executivo ligado à empresa. Durante meses, a direção ficou esperando a chegada do SAP (sistema de controle de orçamento) e perdeu o pé da operação. Plantadores foram contratados em excesso e a área cultivada não era suficiente para compensar os investimentos iniciais. Resultado: o custo de implantação de 1 hectare de cana, que havia sido estimado em 4 000 reais, ultrapassou a barreira dos 5 500 reais. A falta de controle se agravou com a demora na liberação dos recursos do BNDES, responsável por quase 70% do orçamento de 1,8 bilhão de reais para a construção das quatro primeiras usinas -- o banco também se tornou sócio, com 20% do capital da Brenco. A maior parte dos repasses estava a cargo de bancos repassadores do BNDES que, com a chegada da crise econômica, atrasaram a assinatura do contrato. O dinheiro só começou a ser liberado em fevereiro deste ano, seis meses depois de o financiamento ser acordado. "Num projeto em que os custos e prazos eram muito apertados, ficou difícil segurar os contratos com os fornecedores", diz um ex-gerente da Brenco. O segundo erro, que decorreu do primeiro, foi a decisão dos executivos de manter, a todo custo, o ritmo do projeto. Até agora, foram gastos 700 milhões de reais -- e um pedaço considerável disso foi financiado com empréstimos de curto prazo, o que aumentou o endividamento da empresa e a deixou numa situação de fragilidade. Dos 230 milhões de reais de estouro no orçamento, 50 milhões são de juros resultantes desses empréstimos. Outros 80 milhões são consequência de problemas de gestão, como falta de cronogramas e atraso no corte de funcionários; e o restante, de 100 milhões de reais, é a dívida da empresa com fornecedores. Em junho, a situação financeira ficou tão complicada que faltou cimento para as obras das usinas. A Dedini, que fornece equipamentos às usinas, chegou a retirar seus funcionários das instalações da Brenco e as obras ficaram paradas durante todo o mês de julho. Na fila de credores, há ainda o grupo Andrela, responsável pela preparação das terras para cultivo, que entrou em recuperação judicial por causa dos atrasos no pagamento e agora pede na Justiça o ressarcimento de 97 milhões de reais.
Diante do quadro caótico, os acionistas concordaram em fazer um novo aporte financeiro, mas exigiram um programa de reestruturação. Além da contratação de consultorias, houve corte no número de funcionários da sede -- entre eles, sete executivos da diretoria -- e cerca de 200 trabalhadores foram demitidos da usina em Mineiros. O esforço, comandado pelo BNDES e pelos fundos de investidores Ashmore, com sede na Inglaterra, e Tarpon, no Brasil, tem como objetivo cobrir os 230 milhões de reais de estouro no orçamento e garantir a construção da primeira usina até outubro. Juntos, os três serão responsáveis por 68% dos desembolsos dos acionistas na nova rodada de capitalização. Situação que causou ainda mais mal-estar entre os acionistas e o comando da empresa, já que os executivos com participação acionária colocaram pouco ou nada do que lhes cabia na nova capitalização. Os problemas envolvendo a diretoria da Brenco arranharam especialmente a imagem de Philippe Reichstul, que está no comando do projeto desde o início. Quem convive com o executivo sabe que está em jogo, além de sua reputação, boa parte de seu patrimônio. O diagnóstico predominante, inclusive dos amigos mais próximos, é que Reichstul teve dificuldade em tomar decisões. Não realizou cortes no orçamento quando foi necessário, não redimensionou a operação de plantio e demorou a demitir pessoas quando o dinheiro parou de chegar. (Procurado, Reichstul não quis dar entrevista.)
A meta de tornar a Brenco a multinacional do álcool, capaz de fornecer 10% do etanol consumido no mundo, parece agora um sonho -- e daqueles bem distantes. Os executivos envolvidos no projeto se concentram agora em garantir a construção das primeiras quatro usinas e fazer com que a empresa comece a gerar receita o mais rápido possível. A ideia de construir dez usinas dificilmente sairá do papel. "O projeto como foi concebido não vai mais acontecer", diz um executivo ligado a uma das empresas que avaliam comprar a Brenco. Até agora já se apresentaram como interessados a Petrobras, a ETH (do grupo Odebrecht), a britânica BP, a Companhia Nacional de Açúcar e Álcool e a francesa Total. Mas somente a Petrobras e a ETH avançaram nas negociações. O mais provável é que alguma dessas companhias "engula" a Brenco e que, no médio prazo, a marca simplesmente deixe de existir. Hoje, a maioria dos investidores já reconhece que é muito pequena a chance de recuperar o dinheiro investido. O que eles querem é vender a companhia por um preço bom, algo que não será tão simples. Com a crise, tanto o preço do petróleo como o do etanol caíram muito e, até agora, a empresa ainda não produziu sequer uma gota de álcool. O incensado projeto da Brenco desmoronou antes mesmo de começar. Malu Gaspar e Renata Agostini
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