Juiz Carlos Alberto Garcete, da 1ª Vara do Júri de Campo Grande mandou "prender e recolher" Thiago Giovanni Demarco Sena, 27 e William Enrique Larrea, 37, porque os dois tinham sido condenados no fim de março do ano passado por ter matado o adolescente Wesner Moreira da Silva, então com 17 anos de idade.
A vítima trabalhava num lava a jato, empresa de Thiago. No dia 3 de fevereiro de 2017, o empresário, junto com William, também empregado, num gesto em que preferiu considerar como "brincadeira", introduziu no ânus do rapaz uma mangueira, equipamento automático para a lavagem de carros.
Wesner passou mal e foi levado para o hospital, onde ficou internado por 11 dias, até morrer no dia 14 de fevereiro de 2017. Condenados a 12 anos de prisão, os dois recorreram, mas sentença foi confirmada. Agora, devem ser encarcerados.
Desde o crime, empresário e o colega não ficaram detidos nem um sequer dia. Prestaram depoimentos dias depois da morte e foram libertados. Sempre sustentaram que a versão de que não queriam matar o rapaz, apenas "brincar com ele".
Consta na denuncia tocada pela 18ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, que, "no dia dos fatos, durante seu expediente no LAVA A JATO, a vítima, em tom de brincadeira, pediu ao denunciado WILLIAN [o dono do Lava a Jato] que comprasse uma Coca-Cola, para que juntos consumissem. O denunciado WILLIAN, por sua vez, disse: “De novo? Agora toda hora Coca-Cola!”, e, em ato contínuo, apanhou um pano utilizado para limpar carros e passou a bater com este na vítima, também de maneira lúdica [atitude de entretenimento]".
Seguiu a denúncia: "... a vítima, em dado momento, solicitou ao denunciado WILLIAN que parasse com a brincadeira, mas este não atendeu ao pedido, motivando a vítima a correr para distanciar-se dele. Não obstante, o denunciado WILLIAN perseguiu a vítima imobilizando-a, agarrando-o pela frente do corpo e segurando seus braços e tórax, de forma a impossibilitar sua escapada. Assim, logo após, o denunciado WILLIAN carregou a vítima, ainda imobilizada, até o local em que se encontrava o denunciado THIAGO".
A denúncia do MPMS acrescentou, ainda, que "provam os Autos Inquisitoriais que o denunciado THIAGO, em conluio e unidade de desígnios com o denunciado WILLIAN - que ainda imobilizava a vítima -, muniu-se de uma mangueira de ar, utilizada para a limpeza de veículos no LAVA A JATO, retirou a bermuda e cueca da vítima e ligou o compressor de ar que alimentava a mangueira e introduziu-a no ânus daquela, que imediatamente passou mal e vomitou. A vítima foi levada ao CENTRO REGIONAL DE SAÚDE do bairro Tiradentes e em seguida encaminhado ao HOSPITAL SANTA CASA, onde passou por procedimentos cirúrgicos. Contudo, não resistiu aos ferimentos causados pela compressão do ar e veio a óbito no dia 14 de Fevereiro de2017".
No dia 30 de março de 2023, seis anos depois da tragédia, a dupla sentou no banco dos réus. Por todo o tempo, Thiago e William aguardaram o julgamento em liberdade.
JULGAMENTO
Primeiro a depor entre os acusados, no julgamento, Thiago Giovanni Demarco Sena disse não saber do potencial destrutivo da mangueira de ar comprimido, que teria sido introduzida na região do ânus da vítima.
Segundo ele, todos eram amigos e nunca tiveram desavença. Ele afirma ainda que não era a primeira vez que brincavam com a mangueira, direcionando o jato de ar para o rosto ou outras partes do corpo.
No dia do crime, ele afirma que Wesner e Willian estavam brincando com o compressor e que a vítima teria iniciado.
Thiago, que estava fazendo a lavagem embaixo de um carro, também entrou na suposta brincadeira.
"Eu com a mangueira na mão, em tom de brincadeira falei 'de novo você fazendo isso Wesner'. Peguei e direcionei a mangueira na bunda dele por cima do calção, com ar do compressor aberto, que eu já vinha usando, encostei, pressionei por nem três segundos", disse o réu.
"Na hora ele reclamou e pediu para parar, falou que tava doendo, na hora eu desliguei a mangueira", afirmou ainda.
Ainda segundo o acusado, Wesner vomitou várias vezes e reclamava de dor. Ele levantou a blusa e a barriga estava inchada. Wesner teria reclamado novamente que estava com muita dor e foi levado ao posto de saúde pelos dois acusados.
"Peguei ele no colo, entrei com ele no posto de saúde e pedi pelo amor de Deus para ajudar ele, que ele estava mal, coloquei ele em cima da maca e pedi para o doutor pelo amor de Deus salvar o guri", contou, chorando.
Questionado se tinha consciência que o compressor de ar pudesse causar danos graves e levar a morte, Thiago disse que não sabia do risco.
"Eu nunca imaginei que pudesse acontecer o que aconteceu com ele, se eu soubesse jamais teria brincado com ele com o compressor", afirmou.
Já com relação a alegação de que Willian teria segurado Wesner para que a mangueira de ar fosse introduzida, Thiago também negou.
"Ele não segurou, ele veio com ele [vítima] abraçado, caminhando, e eu fui de encontro. Ninguém tava segurando, apertando, forçando ninguém", alegou.
Thiago disse que pediu perdão para a mãe de Wesner no dia do crime, mas ela teria dito que quem perdoa é Deus e não queria contato. Durante o júri, ele pediu novamente perdão para a mãe da vítima e para a família.
Na sequência, o outro acusado, Thiago Giovanni Demarco Sena depôs e, chorando, também afirmou que o caso se tratou de uma brincadeira que deu errado.
Ele confirmou a versão de Willian, de que todos eram amigos e estavam brincando quando a mangueira foi encostada em Wesner.
"Foi muito rápido, a mangueira de ar estava aberta, não é de ficar apertando para liberar o ar. Pegou e bateu nele e Wesner falou que a barriga tava doendo", declarou.
Ele disse ainda que ficaram presentes durante o atendimento da vítima.
"A gente sempre se deu bem, a gente sempre brincou. A gente nunca teve maldade, sempre jogava bola, nunca passou na minha cabeça machucar ninguém, nunca tive maldade com ninguém", afirmou.
Ele disse ainda que as brincadeiras com o compressor de ar eram comuns, mas não com direcionamento para as partes íntimas e nunca na maldade.
Diferentemente de Thiago, Willian afirmou que sabia que havia perigo com o compressor de ar de causar danos quando direcionado nos olhos, ouvido e boca, mas que não sabia que havia risco de machucar ou matar o rapaz.
No hospital, Wesner teria dito a uma assistente social que foi segurado por Willian enquanto Thiago aplicava o ar comprimido.
Ele repetiu a afirmação e disse que não estava segurando a vítima e que tudo foi uma brincadeira.
"Foi questão de segundos. Era uma brincadeira, a gente sempre brincou, era sempre rindo", disse.
IMPUNIDADE
Em entrevista ao Correio do Estado na data do julgamento, antes do júri, a mãe de Wesner, Marisilva Moreira, havia dito que esperava que a justiça fosse feita, com pena máxima para os acusados. Segundo ela, ainda no hospital, Wesner pediu para que fosse feita a Justiça e ela prometeu que assim seria.
"Ele me disse: 'mãe eu quero que eles paguem, quero que a senhora vá na delegacia e dê parte para eles pagarem' e eu respondi que no momento a prioridade era ele, mas assim que saísse, eu ia virar uma leoa para que pagassem o que fizeram com ele", relatou.
Na visão da mãe, eles sabiam o que estavam fazendo e o risco do uso da mangueira de ar comprimido, já que trabalhavam com o equipamento diariamente.
"Brincadeira não mata, aquilo não foi brincadeira. Meu filho era magrinho, se era brincadeira, por que não brincaram entre eles [acusados]? Meu filho não estava brincando, ele estava trabalhando para ajudar em casa", afirma.
Marisilva ressalta que Wesner tinha sonho de seguir carreira militar, mas morreu antes de completar os 18 anos exigidos para o alistamento.
"Tiraram um menino tão bom, que sonhava em ter carreira militar, tiraram o sonho de uma mãe de ver os netos, tiraram a convivência com um menino que era muito bom. Eles mataram meu filho e mataram também uma mãe por dentro".
Ela destaca o fato de Wesner ter acordado no hospital e ficado 12 dias vivo, antes de partir.
"Ele ficou vivo para ter a oportunidade de contar o que aconteceu, porque eles [acusados] ficavam mentindo. Também foi uma forma de se despedir, eu disse para ele que tinha muita gente que o amava, ele agradeceu e afirmou que ia voltar para casa", relembrou a mãe.
Marisilva ressalta ainda que, desde o dia do crime, passou a viver um dia de cada vez e que, mesmo fazendo mais de seis anos [no dia do julgamento], "parece que foi ontem".
"Meu coração ficou no hospital, é muita dor e sempre falei que ia viver um dia de cada vez, mas amanhã Deus vai devolver meu coração, não vai devolver meu filho, mas vai ter a pena máxima e nunca mais eles [acusados] vão fazer uma mãe sofrer".
"Para mim foi ontem, são seis anos, um mês e 24 dias, e agora chegou. Imagina como eu estou, esperando faz horas esse momento, é muita emoção, é tudo junto. Espero que o júri dê a pena máxima para os dois, é isso que eu espero. Finalmente vão poder pagar pelo fizeram com o Wesner", concluiu Marisilva, a mãe do rapaz morto.
Até a conclusão deste material, a justiça ainda não havia informado se os réus já sido encarcerados. A reportagem tentou falar com a defesa da dupla. Assim que houver manifesto, a reportagem em questão será atualizada.
Celso Bejarano/Correio do Estado
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