No universo do Kaleb, um adolescente autista, há uma simpática triceratops laranja. O “dinossauro menina” é o seu ponto de equilíbrio, como observa a professora Adriana, pessoa fundamental na edificação cotidiana de pontes entre o menino e o mundo exterior. O acolhimento da professora é uma postura essencial, que precisa ser lembrada sempre e, de modo especial, neste mês, dedicado à campanha Abril Azul, de conscientização sobre o autismo.
O Abril Azul foi estabelecido em 2007 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e se relaciona ao 2 de abril, o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, criado pela ONU naquele ano. Em Mato Grosso do Sul, a data resulta de normativa aprovada há quatro anos pela Assembleia Legislativa (ALEMS). De autoria do deputado Antonio Vaz (Republicanos), a Lei 5.721/2021 objetiva informar, conscientizar, envolver e mobilizar a sociedade quanto ao Transtorno do Espectro Autista (TEA).
"A importância do Abril Azul está em proporcionar espaço para o diálogo, para o conhecimento e, principalmente, para a empatia”, afirmou Antonio Vaz. “Muitas vezes, o preconceito vem da falta de informação. Por isso, instituímos essa lei: para que toda a sociedade entenda que o autismo não é uma doença, mas uma condição que exige acolhimento, respeito e apoio”, acrescentou o parlamentar.
O acolhimento, mencionado pelo deputado, é imprescindível, como explica a psicóloga Thierre Mônaco. “É essencial tanto para o desenvolvimento de quem está dentro do Espectro, como para o fortalecimento de uma sociedade respeitosa e igualitária”, disse. “Do ponto de vista do Transtorno, dependendo do caso, há déficits persistentes na interação social. E o desenvolvimento dessas habilidades sociais promove uma melhora significativa no tratamento”, completou Thierre.
Além da relevância especial aos autistas, o acolhimento também é importante e necessário na busca e na efetivação de uma sociedade melhor, conforme analisa a psicóloga. “Olhando pelo viés da nossa construção enquanto sociedade, o acolhimento promove o respeito às diferenças, à diversidade, o que possibilita uma sociedade mais justa, empática e inclusiva”, considerou.
Avanços e desafios da educação inclusiva
Eles representam menos de um porcento dos 180 mil estudantes matriculados nas escolas públicas estaduais de Mato Grosso do Sul. O grupo é pequeno, mas com crescimento considerável. Conforme dados da Secretaria de Estado de Educação (SES), havia, em 2024, 1.613 estudantes com autismo na rede estadual (o número deste ano ainda não está consolidado). Na comparação com 2023, com 1.164 alunos autistas, a alta é de 38,5%.
Nesse pequeno grupo, está Kaleb de Souza de Deus, um adolescente de 15 anos, que cursa o segundo ano do ensino médio na Escola Estadual José Antônio Pereira, em Campo Grande. Ele tem um irmão gêmeo, o Kauã, também autista, e que estuda na mesma escola, mas em turma diferente.
O acolhimento aos dois e a outras crianças e adolescentes autistas existe, mas não como algo absoluto e dado natural e espontaneamente. Precisa ser construído, dia a dia, sobre os destroços dos muros de isolamento e preconceitos, destruídos, tijolo a tijolo, numa tarefa árdua e necessária. Essas pontes diárias são erguidas, sobretudo, por profissionais da educação inclusiva, como a professora Adriana Zandona Vicente, que acompanha o Kaleb e outros estudantes de sua turma.
Adriana e Kaleb receberam a equipe de reportagem em um ambiente acolhedor, com muito colorido e diversos materiais pedagógicos – é a chamada “Sala de Recursos”. No local, há um mural com acróstico, que tem no centro a palavra “inclusão”, da qual derivam termos que remetem ao acolhimento, como equidade, compreensão, solidariedade e atenção.
“Eu trabalho com o Kaleb desde o ano passado. É uma troca muito boa. A gente está aqui para ensinar e ajudar na inclusão. Mas só que a gente aprende muito com o Kaleb e com as outras crianças”, contou Adriana. “O Kaleb é um menino incrível, muito educado! Ele me ensina a ser uma pessoa mais generosa e a lidar melhor com as situações do dia a dia”, acrescentou a educadora.
A professora Adriana aprende com o Kaleb e ele com ela, e muito. O estudante realiza atividades adaptadas relativas aos conteúdos trabalhados pelos professores. “O Kaleb é alfabetizado e escreve letra bastão maiúscula. Tem boa interpretação dos textos. Todo o conteúdo que eu vou trabalhar com ele, procuro usar a leitura. Ele oraliza bem. Tem um pouco de dificuldade com as sílabas complexas, mas isso está sendo trabalhado com a fono. Então, não é difícil essa parte pedagógica com ele”, relatou.
A dificuldade maior está nos muros que ainda resistem às pontes. A professora conta que o Kaleb realiza atividades em grupos, tem relativa aceitação da turma, mas que ainda é preciso avançar. “Os que estão ali perto, ao redor dele, ajudam, mas muitos o ignoram”, contou.
O conjunto de ações inclusivas tem contribuído significativamente para a promoção de espaços acolhedores e humanizados. No entanto, como observa Adriana, ainda há momentos em que as crianças e adolescentes com autismo ficam isoladas. “Na hora do intervalo, por exemplo, acontece de se sentarem juntos, só eles, e outros alunos com outros transtornos. Mas os demais estudantes, muitas vezes, não participam, não interagem”, nota a professora.
Acolher a pessoa com autismo é uma postura fundamental para a promoção de sua inclusão social e interação com os outros
Às oscilações dos humores do mundo externo, Kaleb responde de formas diversas. Entre essas respostas, há uma especial: a relação com um dinossauro de pelúcia, que funciona como um regulador de seus sentimentos, comportamentos, por meio do auxílio da professora.
A seu modo, Kaleb disse que o dinossauro era uma fêmea triceratops da cor laranja. “Dara”, acrescentou, informando o nome que deu a seu dinossauro. Ele fica o tempo todo com a Dara. Seu, irmão, Kauã, tem outro dinossauro, batizado de Dery.
“Recentemente, eles ganharam da mãe ovos da Páscoa e os dinossauros vieram juntos. Até então, cada um deles tinha uma letra de pelúcia do alfabeto iônico, que não deixavam por nada. A mesma coisa eles fazem com os dinossauros. Essas pelúcias são apoios que usam quando estão desregulados. O Kaleb, por exemplo, aperta, morde, olha, conversa e, aos poucos, com auxílio da respiração e com a nossa orientação, vai se regulando, se acalmando”, explica a professora Adriana.
Kaleb não se restringe à sua condição. Ele é um menino com autismo: há a condição e há, igualmente, o menino. E como muitas crianças e adolescentes, ele gosta de coisas, como doces e desenhos animados. Ao ser perguntando sobre algo que gostaria de dizer às pessoas, ele respondeu: “comer Negresco”. Também acrescentou “chiclete” e “assistir Tom e Jerry”, com direito a uma gostosa risada no final.
Sensível a causas diversas, a Comunicação Institucional da ALEMS tem, entre seus produtos, uma coleção de livros infantis, intitulada “Cidadania é o Bicho”. As publicações, com downloads gratuitos, tratam sobre direitos e outros temas, usando como cenário o Pantanal e como personagens animais desse bioma.
Entre esses livros, há um dedicado ao “Abril Azul”: o “Corria no Pantanal uma ema: um conto sobre as diferenças”. Escrito pela jornalista Christiane Mesquita e ilustrado pela artista visual Luciana Kawassaki, o livro aborda o sério tema do autismo com muita leveza poética.
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