Os principais personagens de um escândalo que envolveu quase um quinto dos deputados e centenas de prefeitos em todo o Brasil continuam livres e impunes. Em alguns estados, como Minas Gerais, não houve ainda qualquer condenação contra os ex-prefeitos, funcionários públicos e empresários denunciados por envolvimento com a chamada máfia dos sanguessugas, como ficou conhecida a quadrilha que, segundo investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, teria negociado mil ambulâncias em 20 estados e movimentado cerca de R$ 100 milhões desde 1998. A única exceção até agora é a do ex-deputado federal e hoje vereador Cabo Júlio, condenado pela Justiça a devolver R$ 143 mil aos cofres públicos e pagar multa de três vezes o valor embolsado do erário.
Já foram apresentadas pelo menos 21 ações de improbidade administrativa contra os envolvidos. Em muitos casos, as acusações não se transformaram em processos, pois a Justiça Federal ainda não decidiu se aceita as denúncias dos procuradores. Em outros, os processos estão em fase de intimação dos acusados. Essa etapa inicial tem consumido quase um ano. A demora atrasa a suspensão dos direitos políticos dos citados no escândalo, na hipótese de condenação. Eles poderão concorrer nas eleições do ano que vem e até em 2012, já que cabem recursos em todas as sentenças de primeira instância e os condenados nessa fase não são impedidos de disputar cargos públicos.
Um dos exemplos de demora é a representação criminal contra Maria das Graças Batista Falci Mota, a ex-prefeita de Divino das Laranjeiras, no Vale do Rio Doce, a cerca de 400 quilômetros de Belo Horizonte. Apresentada em abril deste ano, está parada, pois até hoje a Justiça não conseguiu intimar a ex-administradora da cidade. Ela figura como indiciada em processo de improbidade por causa da compra de uma ambulância da empresa Klass Comércio e Representação, acusada de atuar em conluio com a Planam. Essa ação começou a tramitar em maio do ano passado e ainda está em fase de análise pela Justiça Federal. Cabo Júlio também é um dos acusados.
Caso parado As denúncias contra três ex-prefeitos de Januária, no norte de Minas, Josefino Lopes Viana, Valdir Pimenta Ramos e João Ferreira Lima, por envolvimento com irregularidades na compra de ambulâncias, foram oferecidas pelo Ministério Público há cinco meses. Até hoje não foi nem autuada, ou seja, não recebeu número e não começou a tramitar oficialmente.
Mesmo caso da denúncia contra o ex-prefeito de Delta, no Triângulo Mineiro, Jorge Manoel da Silva. Ele foi denunciado pelo Ministério Público no dia 13. As ações contra os ex-deputados Isaias Silvestre, José Militão e Osmânio Pereira foram apresentadas este ano e os processos ainda estão em fase de notificação e prévia defesa. Somente Cabo Júlio foi condenado em agosto deste ano pela 7ª Vara da Justiça Federal a devolver dinheiro e pagar a multa. A decisão veio depois de ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal em outubro de 2006. É a primeira e até agora única condenação deste caso em Minas Gerais.
Descrédito O procurador do Ministério Público Federal André de Vasconcelos Dias entende que a demora em julgar os envolvidos no caso das máfia das ambulância cria um clima de descrédito na população e favorece a perpetuação de esquemas criminosos. Para ele, os desvios de recursos envolvendo a compra de ambulâncias são menores do que os valores descobertos em operações como a João de Barro, que detectou fraudes em obras de saneamento. O procurador diz que, mesmo assim, a tramitação deveria ser mais célere. Ele defende que seja dada prioridade aos casos de improbidade, porque a população é quem sofre com a corrupção. “Isso acaba virando um símbolo da impunidade”, alerta.
Ambulâncias superfaturadas Em 2006, a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha, comandada pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, que contava com a participação de parlamentares.
Maio de 2006 A Polícia Federal deflagra a Operação Sanguessuga para desarticular um esquema de fraudes na aquisição de ambulâncias que, segundo as investigações, eram vendidas a prefeituras de pelo menos 20 estados brasileiros por meio de licitações dirigidas e superfaturadas. As compras eram financiadas com recursos destinados por deputados e senadores ao Orçamento da União. A maioria das concorrências era vencida pela Planan, empresa localizada no Mato Grosso, de propriedade de Luiz Antônio Vedoin, que admitiu pagar propinas aos parlamentares para garantir o negócio.
Junho de 2006 O Congresso monta uma CPI para investigar o envolvimento de parlamentares no esquema. Durante as investigações, a comissão chega a anunciar o envolvimento de 69 deputados e dois senadores, mas termina os trabalhos em setembro daquele ano sem pedir indiciamento de nenhum congressista.
Outubro de 2006 Apenas cinco dos 72 deputados e senadores citados durante a CPI são reeleitos.
Agosto de 2009 A Polícia Federal anuncia oficialmente o indiciamento de 33 parlamentares, 71 prefeitos e 354 assessores, membros de comissões de licitação, empresários e funcionários federais por envolvimento com a máfia dos sanguessugas |