UMA EXPRESSÃO SIMPLES, curta, mas com variadas inflexões, para servir desde à explicação sucinta e no entanto definitiva, até a advertência irrecusável. "É agosto...", "É agosto!", faltavam sinais para a escrita, sempre problemática, exprimir todos os reveladores sentidos e intensidades da expressão. A expressão não se referia ao agosto do calendário convencional. Os dois coincidiam, sabe-se lá por que, mas o agosto da expressão era bem percebido, sentido, na vida e, às vezes, na carne, quase uma coisa concreta. Impreciso no começo e no fim, mas sempre transcorrido no agosto do calendário, o agosto da expressão era um ambiente político e militar, de tensões e ameaças, de incêndios verbais nas tribunas, de insultos com todas as gradações e das piores acusações sem mais do que a imaginação. Não era raro que tudo isso chegasse ao seu objetivo: os fatos dramáticos e traumáticos. Era agosto, então, na sua plenitude. A "crise de agosto" com o suicídio de Getúlio. A condecoração de Guevara por Jânio, causa de uma histeria conservadora farta em prenúncios. O atentado a Carlos Lacerda. A renúncia de Jânio. O golpe contra a posse de Jango e o levante vitorioso liderado por Brizola. Planos incontáveis para a eclosão de golpes contra Juscelino. Aeronáutica, Marinha e Exército, cada qual com os seus. O repertório de agosto é extenso. Nem a ditadura conseguiu interrompê-lo, inaugurado o convívio de ambos pelo início da crise com as candidaturas dos oposicionistas Negrão de Lima e Israel Pinheiro, aos governo de Rio e de Minas, com vitórias que levaram à extinção ditatorial de todos os partidos da época. Há por aí, nestas semanas, uma propalada crise. Do governo com a tal base aliada. De Dilma com o PMDB. Do PMDB com o PT. Entre os governistas contrários a investigações de corrupção e os lançadores do movimento para combatê-la. É notícia de crise para todos os paladares. Já se viram até comentários do tipo "assim Dilma talvez não conclua o mandato", "em crise com a base aliada, Dilma repete Collor", e outros desatinos a pretexto de jornalismo. Só não foi possível trazer de volta o componente central daqueles agostos, e de todas as crises daqueles anos que desaguaram nas duas décadas de ditadura: os militares deixaram de ser especialistas na criação de crises antidemocráticas e na execução de golpes. Com cerca de meio século de atraso, mostram-se na efetivação da lenda criada em 1945, e ainda vigente: no convívio com os militares americanos na Itália e na luta contra o nazifascismo, a oficialidade da Força Expedicionária Brasileira voltara convertida aos valores da democracia. E seu primeiro feito, em tal sentido, foi a derrubada imediata da ditadura de Getúlio. A partir daí, porém, golpes e conspirações e tentativas de golpe umas em seguida às outras, até chegar aos porões do Doi-Codi e de tantos quartéis. Se os militares ocupam-se dos seus assuntos, que, aliás, são ainda mais nossos, e nem em razão do desarranjo de Europa e Estados Unidos o Brasil sofre abalos, por que tamanha presença da alegada crise no noticiário e nos comentários? Que se saiba com segurança, há quatro ou cinco parlamentares que induzem esse clima, e, claro, não por boa-fé. Mas, a rigor, é dispensável a procura de explicação. Não é agosto? |