Toda última terça-feira do mês, o advogado Pedro Siqueira, 40, tem um compromisso inadiável. Sai do trabalho na Procuradoria Regional da União, no centro do Rio, e ruma para a igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Gávea, zona sul carioca. Lá, munido de um violão, ele comanda a oração do terço. E transmite, para uma crescente multidão de fiéis, mensagens que diz receber de Nossa Senhora, a quem vê e com quem conversa desde que se entende por gente. "Em minha memória mais distante, estou andando de velotrol [tipo de velocípede de plástico] com ela do lado. Devia ter dois anos", lembra.
CELEBRAÇÃO A oração começa às 19h30, mas a partir de meio-dia fiéis começam a chegar. Às 17h, os 700 lugares, mais 120 cadeiras, estão lotados. A partir daí, só pelos telões no pátio e no salão. Quem o conhece há mais tempo e ajuda na celebração fica ao lado do altar. Na semana passada, perto de 1.500 pessoas se reuniram para ouvi-lo. O público, majoritariamente feminino, é variado: de senhorinhas que pegam ônibus em bairros distantes da zona norte a jovens da zona sul, com roupas de grife e bolsas de milhares de reais. Pedro entra pela lateral da igreja protegido por mulheres que o acompanham desde que começou a rezar o terço, no apartamento da mãe, Dulce, no Leblon, há 18 anos. As pessoas querem tocá-lo, conversar em particular. No altar, canta, reza e, 38 minutos depois, de olhos fechados, começa a transmitir mensagens que, naquele momento, segundo ele, Nossa Senhora está lhe passando.
RECADOS "Dona Teresa [os nomes são fictícios], a senhora não tem nada, mas precisa de acompanhamento psicológico para tratar dessa mania de achar que está doente." "Fernando e Rosa, o filho de vocês não teve uma recaída, ele nunca largou o vício. Enquanto não forem rigorosos, ele não vai se curar. Precisa de internação imediata." São 19 mensagens, entremeadas por cantos, ave-marias e pais-nossos. Acaba às 20h53. Pedro só consegue sair quase uma hora depois. "Minha mulher vai me matar. Prometi que chegava cedo em casa hoje", diz ele, pai de um bebê de três meses. O advogado está longe do estereótipo de um pregador religioso. Lutador de jiu-jítsu, não tenta converter os céticos, nem ameaça os incrédulos. Fala sobre as visões como quem conversa sobre futebol. "Às vezes eu fico cansado dessa confusão toda e reclamo com ela [Nossa Senhora], mas ela me diz para eu aguentar porque essa é minha missão. Vou discutir com ela?"
COMEÇO Siqueira estudou no Colégio Santo Agostinho, um dos melhores do Rio, dirigido por frades. Formou-se em direito na PUC, universidade católica. Escondia o dom que diz ter. "Quando era criança e contava para meus pais o que via, eles brigavam e me mandavam parar de bobagens. Aprendi que não devia falar daquilo. Via coisas ruins, tinha medo, mas segurava." A mãe tinha um grupo de orações em casa, mas ele não participava. Aos 22 anos foi intimado a tocar violão lá. "Fui e comecei a revelar as mensagens que recebia. Minha mãe brigou. Disse que se queria que eu tocasse, tinha que me deixar contar o que via." A história se espalhou. O apartamento da mãe ficou pequeno e o grupo se mudou para uma igreja. Foram anos até ser informado que não poderia ficar mais. Pedro é reticente quando perguntado se houve pressão da Arquidiocese para interromper as orações. "Nunca fui procurado por ninguém." Duas coisas o incomodam: pessoas que querem tocá-lo, como se ele fosse uma relíquia religiosa, e aqueles que fazem perguntas que considera egoístas ("vou conseguir um aumento de salário?"). Na maioria das vezes, diz que a mãe de Jesus surge como uma luz muito forte ou uma voz. "Quando aparece completa é de uma beleza indescritível", conta. Mas santos também aparecem e seu anjo da guarda, diz, está sempre ao lado. "Quando acordo e não o vejo, fico inquieto. Só sossego quando ele aparece." Pedro passará a rezar o terço em São Paulo, no Santuário da Mãe dos Aflitos, em Santo Amaro, no próximo sábado, às 16h, convidado por dom Fernando Figueiredo. Perguntado sobre quem vai financiar suas viagens, responde: "Eu, né? Reclamei com Nossa Senhora que ela me arrumou mais uma despesa e ela respondeu: 'São Paulo trabalhava para se sustentar e cumprir sua missão, então não reclame. Se vira'". |